Caminho de Santiago de Compostela - O Caminho Francês Original

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

SEI QUE QUERO FAZER O CAMINHO DE SANTIAGO DE BIKE, E AGORA?

PARTE DOIS - A BIKE E O EQUIPAMENTO

Uma vez definido qual o caminho a ser percorrido algumas respostas já vão aparecendo em decorrência desta primeira decisão...tais como: Qual será o perfil da viagem? Em que cidade planejo iniciar? Quantos dias disponho e pretendo usar no caminho?
Mas apenas definir a rota ainda não responderá plenamente todas elas... precisamos tomar mais uma decisão crucial... Vamos pelo asfalto ou pela trilha? Isso importa de imediato no tempo que levaremos viajando, já que a média horária de cicloviagem pelo asfalto é cerca do dobro da realizada por trilha. Teremos condições de realizar a viagem planejada no tempo disponível? Em seguida esta decisão nos remete ao tipo de bike e acessórios a serem escolhidos e, por fim, ao treinamento que teremos de fazer.
Eu acredito muito no caminho pela trilha... é por onde vou e é o que realizam os peregrinos à pé. Só recorro ao asfalto em casos críticos. Mas na verdade é bem mais comum os ciclistas fazerem todo o caminho pelo asfalto, indo pela trilha original apenas onde esta for pavimentada. Sinta-se a vontade para fazer o que mais lhe convier... nenhuma opção é a mais certa, senão a que lhe convém mais.
A viagem pelo asfalto oferece algumas vantagens: Mais rápida; mais limpa; menor risco de quedas técnicas; possibilidade de carregar mais bagagem; muito mais fácil de vencer subidas; possibilidade de relaxar um pouco nas descidas; preserva mais a bicicleta de quebras. Como vantagens do caminho pelas trilhas podemos citar: você passa sempre pelo caminho original; passa por todas as cidades, mesmo as bem pequenas; oferece um contato muito maior com peregrinos e locais; menor risco que quedas em velocidade; menor possibilidade de choque com veículos; ambiente muito mais aprazível e relaxante;
Considerando estas diferenças básicas você deve decidir se consegue encarar a trilha pesada, poeirenta mas mais divertida, ou vai optar pela velocidade limpa e monótona do asfalto. Se for esta sua opção você pode viajar com uma bicicleta de cicloturismo ou uma mountain bike. Mas prefira equipá-las com pneus lisos para asfalto, ou no máximo mistos que oferecerão boa aderência sem comprometer a velocidade. Uma boa opção é ter também um sistema de freios a disco, já que a velocidade maior necessita maior poder de frenagem. O peso e a liga da bike só vão importar na hora de transportar no avião, onde 5 Kg a mais ou a menos não muda muita coisa. Pedalando pelo asfalto esta diferença de peso não importa tanto.
É bastante comum ver europeus em velhas bikes speed, quadros de ferro ou cromo, lotados de alforjes além de uma carretinha de bagagem. É bacana de ver, mas temos de considerar que eles percorrem distâncias muito maiores, pois, na maioria das vezes estão vindo desde suas cidades, coisa de 1000 ou 2000 km de estrada a mais do que nós. Para quem vai fazer só o caminho isso não tem muita graça.
Para ir pelas trilhas a bicicleta deve ser necessariamente uma mountain bike, leve mas robusta, pode ser de alumínio (ou carbono, se puder), com suspensão dianteira apenas. Quadros de ferro, cromo ou de ligas de alumínio muito pesadas vão te dar dor de cabeça nas subidas muito íngremes quando você terá de empurrar bike e bagagem morro acima. Quanto mais leve e melhor o conjunto de câmbio mais conforto terá na pedalada. Componentes devem ser no mínimo Shimano ou superior, são mais leves e te dão segurança. O caminho é composto de trilhas, estradinhas e um pouco de asfalto. Temos trechos com grandes inclinações, outros com buracos, outros pedras soltas e outros com tudo junto, por isso pneus de trilha com garras proeminentes é a melhor opção.
Os alforjes: Eu uso a mountain bike de quadro rígido, apenas com suspensão dianteira pois uso os alforjes bem carregados atrás, então meu bagageiro tem de ser robusto e uma bike full não me serve, pois bagageiros de canote não suportam muito peso. Alforjes dianteiros ou carretinhas não são recomendados para as trilhas, mas indiferentes para quem vai pelo asfalto. É só lembrar: Mais carga = Mais força necessária... faça suas contas e veja até onde sua bagagem é tão importante. Eu sempre lembro dos 15 kg de postais que carrego nas minhas viagens... doem na perna, mas eu acho que vale a pena...
Use alforjes simples... esqueça os de amarrar... não funcionam! Opte pelos estanques, de envelope único, engate rápido. Se não der garanta uma boa capa de chuva para eles ou ensaque toda a roupa antes de colocá-la no alforje. Não há como fugir das chuvas e não há tempo de secar toda a bagagem. Topeak e Deuter são ótimas marcas. Ma, se puder vá de Ortlieb, um saco simples, 100% estanque e com engate rápido e seguro no bagageiro. É a marca preferida dos Europeus que inventaram o cicloturismo... isso deve representar alguma coisa.
Não encha a bike de acessórios que vão demandar um tempo para montar, desmontar, mais peso pra carregar, mais coisa pra cuidar. Deixe a magrela o mais pelada possível. Em cicloviagem mais é menos! Mas é bom ter: campainha, para alertar peregrinos da sua chegada, odômetro ou GPS para marcar seu desenvolvimento, uma lanterna que será usada a noite nos albergues, um cadeado simples para caso a bike precise dormir num local aberto.
Agora que já sabe qual seu caminho e escolheu sua bike... vamos falar sobre o resto da bagagem... ou sobre os albergues? Vamos ver... Semana que vem, ou na outra...

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

De Lisboa a Santiago sem se perder

Abaixo reproduzo entrevista publicada no site http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?section_id=187&id_news=466923 acerca do lançamento de mais um guia do Caminho Português para Santiago


"As férias terminaram para muitos mas há ainda alguns agraciados. Para esses, uma óptima sugestão é fazer o Caminho de Santiago, concretamente percorrendo o Caminho português, um itinerário de certo modo ainda desconhecido pelos peregrinos de todo o Mundo, que preferem fazer o mediático Caminho francês. Para a travessia é obrigatório levar o «Caminho Português de Santiago», obra editada pela Livros d´Hoje. Durante um mês Carlos Carneiro e Jorge Vassallo (autores na mesma editora do livro «Até onde vais com 1000 euros?») seguiram as setas amarelas para indicarem aos interessados o melhor caminho a seguir sem problemas tendo como destino final Santiago de Compostela, seja a pé ou de bicicleta. «¡BUEN CAMINO!»
Este ano o Caminho de Santiago comemora o Ano Santo Jacobeu, algo que acontece quando o dia 25 de Julho, dia de Santiago, é um domingo. O próximo ocorrerá apenas em 2021. Por isso, e apesar da data já ter passado, é quase obrigatório percorrer o caminho este ano, mesmo que não seja por motivos religiosos:
«O Caminho de Santiago é acima de tudo uma rota que nos faz redescobrir o lado mais simples da vida e isto aplica-se a crentes e não crentes. As razões para dar o primeiro passo são variadas e para além do turismo e religião que refere, há ainda quem vá por desporto, contacto com a natureza, tirar umas férias super low-cost e até sarar desgostos de amor! É esta diversidade que faz do Caminho algo tão rico e surpreendente.»

O que falha no Caminho Português e o que ele tem de positivo e de diferente para os restantes? A grande falha do Caminho português é também o seu grande trunfo: ainda está a dar os primeiros passos. Isto sente-se principalmente nas infra-estruturas, sendo esta realidade mais evidente entre Lisboa e o Porto. Perde-se em previsibilidade e certezas – que teremos um albergue à nossa espera a cada «x» quilómetros com o Menu do peregrino num restaurante mesmo ao lado. Ganha-se em espontaneidade, aventura e num contacto humano mais genuíno, que se surpreende com a nossa passagem. E as alternativas ao Albergue e Menu peregrino existem! Foi isso que procurámos exaustivamente e apresentamos neste guia.
Já fizeram alguma das outras rotas? Se sim, que comparação poderiam fazer com a nossa? Foi para ambos uma estreia no Caminho de Santiago e ficámos com uma enorme vontade de fazer as outras rotas. Conhecemos inúmeros peregrinos que fizeram ambas e os comentários giram sempre em torno da maior organização e afluência de peregrinos nas outras rotas – com a vantagem de se fazer bastantes conhecimentos, às vezes amigos para a vida, e a desvantagem de nos picos de afluência poder haver sobrelotação dos albergues. A paisagem e beleza natural também são muito diferentes. Aí os gostos são diversos.
Garantem que quem comprar este guia vai chegar definitivamente a Santiago? Só há uma maneira de chegar definitivamente a Santiago – seguir a seta amarela! É incrível pensar que de Lisboa a Santiago há um percurso marcado na totalidade, com setas em cada cruzamento, em cada esquina. Este guia é o complemento das setas, que permite organizar os dias para fazer uma caminhada descansada, tirar eventuais dúvidas na sinalização, ter sempre tecto para dormir, sítios para comer e muitas outras informações úteis – incluindo a preparação e o regresso a casa.
Como é visto o peregrino no Caminho Português pelas populações? De Lisboa ao Porto poder-se-ia dizer que muitas vezes é invisível! Passámos por muitas aldeias em que os habitantes não faziam a menor ideia que o Caminho passava mesmo à porta de suas casas. Alguns até achavam que as setas amarelas eram «coisa dos miúdos» e até sinaléticas de ladrões para roubar casas! Depois de nos explicarmos os sorrisos e a curiosidade abrem com facilidade. A partir do Porto já é comum verem-se peregrinos a passar e quando entramos na Galiza ainda mais. As reacções são sempre de encorajamento, ajuda, inveja saudável e entusiasmo.
Acredita que as instâncias turísticas do nosso país ainda não acordaram da potencialidade do Caminho Português, como acontece em Espanha, por exemplo? Acreditamos plenamente e com alguma estranheza. Manter o Caminho, as sinalizações em parceria com o poder local e disponibilizar locais com dormidas em pontos-chave seria um investimento, para nós, claro como a água, e aparentemente com um orçamento baixo. O Caminho leva as pessoas a conhecer e sentir um país com uma calma única, passo a passo, aldeia a aldeia ao longo de muitos dias, muitas amizades, muitos encontros. E é algo que os peregrinos fotografam e levam consigo para as suas casas! Ou seja, o potencial turístico vai muito mais além do próprio Caminho. O grande boom no passado recente do Caminho foi resultado directo de um enorme investimento feito por parte da Junta da Galiza. O Caminho português foi evoluindo devagar e graças aos esforços das entidades locais e particulares, a par da boa vontade de muitas Corporações de Bombeiros que acolhem os peregrinos para dormir
É notório o cuidado que tiveram com as informações. Como fizeram a recolha de material? Quantos dias estiveram em campo? Estivemos um mês no terreno, de bicicleta, com o bloco de apontamentos sempre à mão, ou no nosso caso, nos cestos das bicicletas. Para facilitar as coisas dividimos o trabalho em dois – o Jorge Vassalo fez tudo o que era do Caminho em movimento (percurso) e passava o dia de olho no conta-quilómetros e nas setas; o Carlos Carneiro tudo o que era paragens (infra-estruturas) e acelerava de aldeia para aldeia. Depois passámos cerca de dois meses a organizar todos os dados.
O Caminho Português está preparado para receber qualquer peregrino? Para qualquer um dos Caminhos a condição física é obviamente importante. Depois é uma questão de tempo e de espírito de aventura. Para se fazer o Caminho português entre Lisboa e Porto é preciso estar preparado para dormir nos Bombeiros voluntários pois às vezes é a melhor alternativa – para não ter que se fazer etapas muito longas.
Qual a parte mais complicada no caminho? E a mais bela e a mais feia? A parte mais complicada do Caminho em termos físicos é a subida da Labruja - a maior de todo o Caminho -, principalmente para quem vai de bicicleta, pois terá de a levar às costas. Mas, chegando ao topo, a sensação é inesquecível! As partes feias do Caminho aparecem quando atravessam grandes centros urbanos. E de todas elas talvez a saída do Porto seja a pior. A mais bela? É de difícil resposta. Logo depois de passarmos o Parque das Nações em Lisboa ficamos boquiabertos com um trilho fabuloso em plena Sacavém. E admitimos a nossa ignorância - local que jamais imaginaríamos. Até chegar a Compostela vamos descobrindo um Portugal completamente novo. E claro, a nossa vizinha Galiza.
Há diferenças em termos de estrutura quando entramos em Espanha? Há grandes diferenças pois leva uns bons anos de avanço – os albergues são em muito maior número, logo com distâncias mais curtas entre eles.
O Caminho Português começa mesmo em Lisboa? O Caminho começa à porta de casa. Esta é a regra original - os peregrinos saíam de casa a pé e iam-se juntando nas estradas principais, afunilando em maior número à medida que se aproximavam do destino. Os tempos mudaram, os meios de transporte evoluíram e Lisboa é um excelente ponto de partida – é aqui que começam as setas, a primeira de todas pintada na base da Sé de Lisboa. Mas não há limites – conhecemos quem começou no Algarve! Bom Caminho! "


Publicado em: quarta-feira, 1 de Setembro de 2010 11:14 por Pedro Justino Alves